terça-feira, outubro 07, 2008

Insônia.

Três, quatro, uma semana, um mês. Duas horas no dia, às vezes três. Depende do corpo, depende da necessidade do corpo. São 03h12min da madrugada e nada me leva a descansar. E a vida passa, passa, passa bem devagar. Ontem, quantas horas de inércia? O sono foi real ou simples fruto imaginativo? Eu preciso deitar-deitar-deitar, esfregar todo o corpo no colchão, aprisionar os olhos nas pálpebras, matar os bocejos. Quantas horas? Quantas horas já se passaram desde o último cochilo? Quantas horas desde o último suspiro? É madrugada. É dia, é noite, é hora. Quanto mais a mente irá me impedir de chegar ao alívio?

segunda-feira, setembro 08, 2008

No jornal.

Estava na capa das páginas policiais: Pelourinho e os meninos do crack. A notícia denunciava pequenos delitos cometidos por crianças e adolescentes, no centro histórico, contra os turistas a fim de sustentar o vicio.

Não leio jornais. Na verdade, não me interesso por jornais. Até os acho um tanto quanto mentirosos, e esta não é uma crítica aos profissionais - garanto! Mas acreditei quando li sobre os meninos do pelourinho e sua rua apropriada para o uso do crack, onde compram e se lambuzam sobre as vistas de policiais fardados. Acreditei ainda mais quando a mesma reportagem dizia que um desses policiais, questionadoou como resposta: "É assim todo dia". O raciocínio foi rápido. Afinal o trabalho dele é a segurança pública, trazer segurança à sociedade. E todos nós sabemos que há muito tempo tais meninos, magricelas e sem alguns dentes, não fazem parte desta. A segurança pública não atinge aos excluídos sociais. Isto é um fato. Daí não teria sentido uma atitude de qualquer dos nossos policiais, no sentido de impedir tal uso. Não poderiam. O verdadeiro trabalho da nobre policia, principalmente aquela que passeia pelas ruas do pelourinho, é assegurar que os "gringos" não sejam vitimados. Bem, nem isso conseguem fazer direito.

Eu realmente não leio jornais. Li esse em uma viagem de carro que durariam quatro horas, de forma que seria tempo demais para se admitir a inércia. Li porque a noticia me chamou atenção, já que há poucos dias andava pelas ruelas históricas criticando a monstruosidade que é a prefeitura (tenho ódio toda vez que a vejo, urgh!) e sendo surrupiada por um menininho tão simpático, mas tão simpático, que levou meu sorvete sem qualquer consentimento. Tudo bem, o sorriso dele valia. Mas se a minha intenção tinha sido ver as exposições do "A Gosto da€ Fotografia" no Solar do Ferrão, acabou não sendo somente isso. Vi o que queria ver, é verdade, mas vi ainda mais, algo que talvez o venezuelano e o Sansei/Ninsei/NãoSei também gostariam de presenciar e quem sabe até fotografar. Era o céu mais lindo do mundo, sim era!, em meio a uma paisagem tão colorida e triste. E era lindo justamente por representar isso. A tristeza em suas nuvens densas de chuva, a paz do azul (é uma tranqüilidade que o vento traz naquele lugar) e a esperança pintada de laranja que misturava tudo e transformava em alegria lá no alto e refletia no mundo de baixo com todos os movimentos artísticos e culturais e toda a vida que pulsa e morre naquele centro.

Nessa Sexta estava lendo o jornal. Trazia a noticia dos meninos e sua rua própria para o uso do crack. Talvez nunca tenha visto tal rua. Não tenho vergonha em admitir que me prendo àquelas principais, um pouco por ter pouca curiosidade, um pouco por ter um pouco de insegurança. Mas ao ler pensei que talvez, apenas talvez, os meninos do crack ao fumarem mais um pouquinho, ao se segurarem um pouco mais na própria inexistência, ao surrupiarem mais alguns objetos que seriam trocados, tão logo pudessem, por uma única pedra, tenham olhado, às cinco horas da tarde daquela quarta-feira, para aquele mesmo céu que banhava o pelô e talvez sentido, só um pouco, a esperança que o pintava.



Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos. Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam. Estamos saindo da treva para a luz. Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah. A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah. Ergue os olhos.

O Grande Ditador, discurso final, Charles Chaplin.

sexta-feira, agosto 15, 2008

Aquele velho medo que preenche o corpo. Medo de sofrer. Uma sensação que tolhe os atos que nos faz andar para trás. E os passos são rápidos, acelerados de receios tolos e angústias vãs. Sofrer é um ato de vida. Ser feliz não é a ordem do dia? Daí as resoluções de hoje: fazer o que se quer fazer a quem quiser fazer.

Um dia de certezas incertas, há tempos atrás.

terça-feira, maio 27, 2008

A pedra que avança para o mar...





Um dia informei aos meus:

- Estou de mudança.

- Para onde? – questionaram.

A península Itapagipana, que compõe a IIª região administrativa de Salvador, é formada por 14 bairros entre eles a Ribeira e o Uruguai. Itapagipe significa “pedra que avança para o mar” e para muitos o fato de outrora ser considerada uma ilha deu à comunidade um forte senso de identidade o que faz com que seus moradores migrem dentro de sua própria área, mas dificilmente para outras regiões.

- Vou pro Uruguai. – respondi.

- Como assim? Justo o Uruguai? Com tantos bairros na cidade baixa. Por que não mais próximo da sua casa? A Ribeira é um lugar tão tranqüilo...

Há um clima de interior... O caminhar pela beira da água, as cadeiras em frente às portas das casas, construções baixas e predominantemente antigas, misturadas a monumentos históricos e vistas espetaculares. Em contrapartida também é possível ver a degradação do meio
ambiente, péssimas condições de vida, de educação e de saúde.

- Eu vi a casa, gostei da casa. É pequena e arrumada. E tem um fator muito importante: custa pouco. Além do mais é provisório.

- Ainda assim... Não é um bairro seguro. Tem que ter um maior cuidado... E com relação ao ônibus? Onde você vai pegar? Como vai ser...

Foi aí que comecei a ter medo. Depois de um mês inteiro buscando um lugar
pra acomodar nossas coisas a fim de terminar a reforma da casa, localizada no tranquilo bairro da Ribeira, é complicado dizer não a um apê recém construído e “barato” ainda que não na melhor localização da minha cidade baixa. Então quando me pediram uma opinião, disse sim. E persisti no sim até que as frases que me trouxeram terror começaram. Nesse ínterim o contrato já estava assinado e os móveis já estavam sendo juntados para a mudança.

- Vai ser uma experiência de vida – disse minha mãe uma tarde.

(Entendi que o melhor era acreditar nela.)

O dia mais difícil foi o do primeiro coletivo. O ponto era longe... Quase tão distante
quanto o caminho que faço até a casa do amado – depois de 1 hora e meia de trânsito. Mas eram as pessoas que me davam maior medo. Ou melhor, o desconhecido que me causava medo. Não reconhecia as pessoas. Não reconhecia o lugar. Então, entrar pelas ruelas, passar por pedintes mais necessitados do que possíveis delinqüentes, por faces cuja curiosidade era maior do que qualquer outra coisa me fazia imaginar tudo o que não era. E o andar era rápido.

A primeira volta para casa: 11 horas da noite. Eu e o deserto da rua: cheguei salva.

O primeiro sinal de conhecimento foi a respiração normalizando assim que os pés tocavam a esquina da residência. Dias depois senti a tensão diminuir logo que entrava na primeira rua, próxima à casa. Agora é só chegar na avenida. Passo na locadora de filmes, entre conversa e buscas por outras películas, e retomo meu caminho para casa. Estando fechada, sigo direto sem maiores desesperos. Porém, meu coração ainda acelera quando me vejo muito sozinha.

Os vizinhos são tão noturnos quanto eu. E adoram olhar a vida alheia. Do alto consigo ouvir seus gritos e risos. À noitinha as crianças jogam bola nas ruas e xingam feito adultas que não são - o que me faz lembrar que ensinarei melhor aos meus filhos. São muitos os cães da rua e logo se apaixonaram por meu sol e a seguem noite e dia. E têm aquelas conversas de vizinhos sentados nos passeios, misturados ao lixo e aos ratos.

Não, este não é o melhor lugar. Mas já se tornou a experiência que minha mãe um dia disse..


Hoje fui à casa de uma amiga. Relativamente perto, mas o receio sempre me fez pegar o coletivo (exceto no dia do santo, já contada aqui). Na volta o me perguntaram:

- Ela vai te levar?

- Não, eu vou a pé.

E fui. E cheguei. Sem medos. Descobri que em qualquer ponto desta cidade, a baixa, estarei em meu lugar.


(escrito em fevereiro de 2008)

Imagem: Leandro Estevam. Passeio à Beira Mar, Dezembro de 2006.

sábado, fevereiro 16, 2008

R.O.T.I.N.A


"Sinhô, me disseram preu descansar o corpo,
que corpo cansado não vinga, tá morto,
que o bom é drumir pra mó dispós acordar"



Esqueceram que a vida é rotina,
e geme,
que a carne treme no dia -
que se cansa da monotonia.

E o mundo acorda cansado,
danado e mau-humorado,
e responde com horas contadas
a toda sua filharada

E estes acordam todo dia,
no calor e na agonia,
passam o dia batalhando,
o suor do rosto pingando,


- numa rotina de vida que não deixa sequer a própria parar para respirar.

quinta-feira, janeiro 31, 2008

E deus existe? (Parte II)

À parte do que me cabe de inicio a este novo texto é que, mais do que uma continuação, ele é uma constatação. Para melhor compreendê-lo, àqueles que não leram, corram ao primeiro (http://retalhosinversos.blogspot.com/2007/04/e-deus-existe.html).


Não é propositalmente que desconfio da existência dele. Nunca a fim de irritar alguém ou de me fazer, quiçá ser, diferente. È algo enraizado em mim, diria. Isso porque há muito tal pensamento invade minha mente e se entende e se completa e chega a tal resolução que sempre vem acompanhada de um desespero estranho e uma tristeza tamanha: deus não existe. Não queria acreditar em deus, essa é a verdade. Mas parece haver uma força maior que me impulsiona a lhe dar uma chance como se ele fosse alguém, algum amigo próximo que necessita da minha fé. No entanto, vezes, ele chega a mim como um vilão, uma espécime má, cruel e vil, um grandessíssimo inimigo a quem só devo desprezo. E no fim de todo o pensamento, na briga entre o anjinho e o demônio que existe em todos nós, termino por desacreditá-lo novamente.
O dia em que amei DEUS amanheceu como outro qualquer. Diria mais, foi menos especial do que muitos outros dias normais. Aquela coisa lenta, sem sorte ou azar, sem acontecimentos bons ou maus. Um dia despertado as 8 e adormecido as 20, como um velho que precisa cumprir toda a sua rotina antes de se deitar. E depois de um dia tão monótono, quando se coloca a cabeça ao travesseiro, quando não se sabe se deve rir ou chorar ou até mesmo gritar, quando seu âmago conversa com ele mesmo tecendo resoluções, planos e metas que serão desfeitos na próxima dose de vida ou num sono tardio, o amei. Posso dizer que foi tamanho amor que a mente não conseguiu apagar a fim de se afogar em sonhos estranhos.
O difícil é lhes explicar o meu atual estado de êxtase, amor e devoção a deus. O difícil é lhes mostrar o quão complicado é perder todo o entendimento infantil sobre o que é deus, pois só assim eu poderia amá-lo. Colocar de lado o entendimento social, religioso, desapegar-me do próprio conceito criado por tais influencias e amar a deus sobre todas as coisas – sem no entanto estar seguindo qualquer mandamento. E nenhum anjo veio a mim em sonhos e me mostrou o reino dos céus.
Tudo o que eu consigo lhes dizer, numa tentativa de me explicar, é que antes do corpo querer descansar e a mente enfim aquietar-se um vento forte balançou o pijama, minha avó me olhou um tanto estática em seu retrato velho posicionado em cima do baú, o incenso exalou o frescor do jasmim em uma fragrância mais encorpada e me veio à memória todos os meus bons momentos de um ano que acabou de passar enquanto Aretha retumbava sua voz brilhante em meus ouvidos. E então eu pensei em Deus, não como algo físico, não como alguém, um dono, um poderoso, um ditador, sem antigo nem novo testamento, sem filho, virgem, santos e afins: apenas Deus em essência. E em sua essência eu o visualizei em todas as pequenas coisas que passaram em minha cabeça enquanto tentava simplesmente dormir. Por isso o amei, por senti-lo em mim descartando o que antes era acaso e em nada me preenchia.

Talvez tenha sido a voz divina de Aretha. Talvez tenha sido Einstein. Ou talvez seja uma resposta definitiva a essa minha mania de discutir a inexistência de Deus.

Todo o resto ainda me parece estória para adulto dormir.


“Deus é subtil, mas não malicioso”
Albert Einstein.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Vida Simples.

Simplificando.


Não é a primeira vez que tenho a pretensão de escrever sobre a simplicidade da vida. E é provável que não seja a ultima. É um tema que me intriga. Acho belíssimo como algumas pessoas conseguem viver de forma intensa dispondo apenas de comida, bebida e ar. Nada mais do que a natureza. Nada mais do que dispõe a natureza. E são como pessoas quaisquer, talvez mais felizes. Talvez muito mais felizes. Vivem a velocidade dos seus dias, respirando ar puro, observando a natureza e com ela compondo, escrevendo, criando... Não é necessário se tornar hippie para se ter uma vida mais simples, todos nós sabemos. Nem é necessário ser vegetariano ou fumar um troço ilegal - isso não torna a vida de ninguém simples, acreditem. Nem é preciso fugir da tecnologia, voltar às cartas escritas à mão (apesar de considerar magnific), andar a pé ou a cavalo. Basta apenas um tempo. Um tempo pra você mesmo. Um tempo para música, para pensar, para respirar mais fundo, entrar em contato com o que há de melhor em você. Deixar, por um minuto, o ritmo frenético da vida de lado – sem correria, sem estresse, sem fracasso. E nem é necessário um dia no campo, ou um dia na praia, ou acampar, ou surfar, ou cantar, ou tocar. Basta apenas por um minuto relaxar e deixar-se ser quem é sem a pressão do mundo. Renove o seu espírito e deixe-se contagiar por um minuto da simplicidade. E se nada disso funcionar, e você se veja ao fim numa simples vida, vire hippie. Dizem por ai que não falha.



ILUSTRAÇÃO: Leandro Estevam - > link=http://www.flickr.com/photos/piomaciel/


segunda-feira, janeiro 21, 2008

Na carne.

Momento áspero.

Este não será um roteiro de fim de semana. Sequer dicas de bons lugares a ir, filmes ou espetáculos para assistir. É só a constatação de que nem sempre a lei de Murph impera, mas quando o momento é áspero todas as outras coisas tendem a ter o gosto amargo.


O fim de semana começou na noite de Quinta-feira, quando as coisas apontam para o não ir bem. E se este é o roteiro de vida, nem sempre é possível ou desejavel lutar contra. Então a Sexta acorda um pouco mais tarde do que o costume e um pouco mais tensa também. Minha sorte é que tenho bons amigos e quando a solidão, a tristeza ou a raiva me abatem (as vezes todas essas coisas juntas) eles vêm em meu socorro - cada um com o seu programa, claro.
O primeiro foi um cinema fim de tarde, que fiz questão de logo aceitar. E quando não se tem muitas opções e o sim já está dito não importa muito qual o filme que será visto. De logo posso dizer que foi terrível. Melhor, intragavel. Um daqueles heróicos norte-americanos que tornam qualquer ser lendário... Resultou em gelo nas veias, asco e visão parcial em sua corrida uma hora e pouca.
O segundo foi interessante: dormir fora de casa, longe de telefones, computadores e afins. Do outro lado da minha cidade, é verdade, mas bem vindo por ser novo. O engarrafamento resultante de um Festival que ocorre no nosso verão fez aumentar o calor e a fome... Então, nada melhor do que uma fugida de volta ao Shopping, porém outro, um lanche noturno e um bater de pernas cheio de conversas que aliviaram o fôlego e se transforam em cantoria numa volta menos trôpega, ainda que sufocante.
O Sábado se iniciou leve. De uma leveza que perdurou durante o dia. Risos, mexe-mexe, sombra ou sol e muita água fresca - que resultaram numa pigmentação mais dourada. Mas a noite não favoreceu. O que era pra ser navalha, por atraso ou acaso ou o que queiram chamar, tornou-se a farsa, que apesar de áspera não me pareceu nem um pouco falsa. Talvez tenha sido a real imagem do absurdo - e mais nada.
Chega-se ao quinto programa, e possivelmente a uma teoria completada e confirmada. Não tão difícil, visto ser Domingo que quase sempre é acompanhado de um ócio acre. Uma manhã conduzida por "Em Nome de Deus" que nem pelo nome parece ser um programa, mas apontou para mais uma aspereza da vida e, sendo assim, deve ser apresentado aqui. À noite o círculo não vingou e então o convite voltou para o navalha, na carne para ser mais precisa. E dessa vez o acaso nos encontrava. E me fez chegar à conclusão que Neusa Sueli é a verdadeira imagem de prostituta e todo o resto parece Camila Pitanga demais. Foi mais um momento áspero, é verdade, mas que provou que nem todo enrugado dói.


Sem grandes cicatrizes,
roteiros,
ou pretextos.


Recomendo: Navalha na Carne. Texto de Plínio Marcos, Direção Juliana Ferrari e André Rosa. Na EBA (Escola de Belas Artes), de Quinta a Domingo (última semana), às 20 horas, pelo valor símbolico de R$ 1,00. A venda dos ingressos inicia às 19 e, como hoje, é possível que em 15 minutos tudo tenha sido vendido.



quinta-feira, janeiro 17, 2008

Fé, Cortejo e Alegria.

Um dia de Santo.




São dez os anos que moro nesta cidade. Tempo idêntico ao que resido nesta que chamam de baixa. Metade de uma vida, visto ter 21 prestes aos 2. Amo-a de um amor profundo, mas jamais me envergonhei em nunca haver participado de um cortejo ao Senhor do Bonfim.


Acordei. Era mais um dia. Mais um dia de uma semana que insistia em não correr – e ainda insiste. O café, o computador, textos e leituras diárias... O primeiro convite me chegou às 10 da manhã e me pegou desprevenida e propensa a aceitar. Só que o percurso seria longo, era lá no alto, e em dia de festa do Senhor a impossibilidade de sair dessa cidade aumenta em grandes proporções (e lhes falo isso com a experiência de 10 anos). O segundo me era esperado e quase recusável, pois em nenhum momento pareceu algo que faria com extremo prazer. Envolvia sol intenso, calor degradante e tanta gente que sairia ao fim espremida e sem saber ao certo a quem pertencia o suor que cobria o meu corpo. Sem contar o som que ecoaria em meu ouvido... Melhor do que ficar em casa, pensei ao fim.

Arrumei-me apressada. Na rua as tantas levas de povo já saiam num percurso diferente do que me era cabível. Tinha que entrar em tantas ruelas e tão dentro de um bairro que não reconheço muito bem que emudeci, respirei e segui ao mesmo tempo em que olhava os passos de gente. De velhos a moços, adultos a crianças, homens a mulheres, num cortejo diverso do verdadeiro cortejo que acontecia muitas ruas acima. Alguns me deixaram no caminho e entraram em ruelas estreitas que pareceram estranhas aos olhos. Em determinado momento cheguei ao destino e segui com meu companheiro, o salvador de um dia que começou apontando para o nada.

É diferente o trajeto no dia do Santo. Parece mais longo, mais cansado, dói os dedos dos pés e cansa os joelhos. É tanta gente... Tanta gente que quase te leva a evitar subir a colina que para alguns é sagrada. Mas dizem que quem está na chuva é pra se molhar e comigo não foi diferente: molhei-me literalmente. O primeiro banho foi de pura alfazema, que me remeteu ao meu tão bom interior e à minha tão deliciosa velha avó. Daí em diante foram banhos das mais diversas águas. Sem folha, com folha, de tantas vestidas baianas com suas saias brancas de tule e renda. A verdade é que era um mar de branco. Um mar de puro branco que me fez sentir a própria sujeira em meu preto e branco básico e que pareceu bastante apropriado na hora de vestir. Abaixo, por outro lado, o colorido era gritante. Sim, aquilo realmente era uma festa.

Depois de felicitar o santo fomos comemorar com o profano. Cordeiros da Lavagem passeavam abaixo e nos misturamos às cores. Foi a hora do álcool e da alegria. O Noel que se atrasou pro Natal em suas vestes vermelhas de festa. As fitinhas do Senhor sendo vendidas a preço de banana, como diriam alguns. As contas do Gandhy enroscadas em tantos corpos. E tudo se movimentando tão rápido que não posso dizer que realmente os olhei, ou lhes explicar o que pouco vi. Só a sensação, a sensação de estar em algum lugar, de movimentar, que me abraçava e me ardia.

O largo de Roma foi a próxima parada. E nesse momento a festa já não mais fazia qualquer efeito sobre nós. Então fugimos da multidão e nos escondemos em busca de palavras. Bolas de sorvete, os pés molhados nas águas da boa viagem, a subida ao Monte Serrat pra ver um pôr do sol que não veio, os olhos do canhão e o forte. Ao fim caruru de dona Dag e uma doce cochilada na sala. Era a hora de voltar pro meu lugar. Pegar o mesmo caminho, pé ante pé.


O burburinho de gente me acompanhou até em casa. Tanta gente, tanta gente... Coisa mais linda essa de povo. E agora me veio a certeza que ano que vem estarei lá de novo. Nada melhor do que rever os meus absolutos.


ILUSTRAÇÂO: Fotografia de Rivello.

http://www.flickr.com/photos/rivello/