quinta-feira, janeiro 17, 2008

Fé, Cortejo e Alegria.

Um dia de Santo.




São dez os anos que moro nesta cidade. Tempo idêntico ao que resido nesta que chamam de baixa. Metade de uma vida, visto ter 21 prestes aos 2. Amo-a de um amor profundo, mas jamais me envergonhei em nunca haver participado de um cortejo ao Senhor do Bonfim.


Acordei. Era mais um dia. Mais um dia de uma semana que insistia em não correr – e ainda insiste. O café, o computador, textos e leituras diárias... O primeiro convite me chegou às 10 da manhã e me pegou desprevenida e propensa a aceitar. Só que o percurso seria longo, era lá no alto, e em dia de festa do Senhor a impossibilidade de sair dessa cidade aumenta em grandes proporções (e lhes falo isso com a experiência de 10 anos). O segundo me era esperado e quase recusável, pois em nenhum momento pareceu algo que faria com extremo prazer. Envolvia sol intenso, calor degradante e tanta gente que sairia ao fim espremida e sem saber ao certo a quem pertencia o suor que cobria o meu corpo. Sem contar o som que ecoaria em meu ouvido... Melhor do que ficar em casa, pensei ao fim.

Arrumei-me apressada. Na rua as tantas levas de povo já saiam num percurso diferente do que me era cabível. Tinha que entrar em tantas ruelas e tão dentro de um bairro que não reconheço muito bem que emudeci, respirei e segui ao mesmo tempo em que olhava os passos de gente. De velhos a moços, adultos a crianças, homens a mulheres, num cortejo diverso do verdadeiro cortejo que acontecia muitas ruas acima. Alguns me deixaram no caminho e entraram em ruelas estreitas que pareceram estranhas aos olhos. Em determinado momento cheguei ao destino e segui com meu companheiro, o salvador de um dia que começou apontando para o nada.

É diferente o trajeto no dia do Santo. Parece mais longo, mais cansado, dói os dedos dos pés e cansa os joelhos. É tanta gente... Tanta gente que quase te leva a evitar subir a colina que para alguns é sagrada. Mas dizem que quem está na chuva é pra se molhar e comigo não foi diferente: molhei-me literalmente. O primeiro banho foi de pura alfazema, que me remeteu ao meu tão bom interior e à minha tão deliciosa velha avó. Daí em diante foram banhos das mais diversas águas. Sem folha, com folha, de tantas vestidas baianas com suas saias brancas de tule e renda. A verdade é que era um mar de branco. Um mar de puro branco que me fez sentir a própria sujeira em meu preto e branco básico e que pareceu bastante apropriado na hora de vestir. Abaixo, por outro lado, o colorido era gritante. Sim, aquilo realmente era uma festa.

Depois de felicitar o santo fomos comemorar com o profano. Cordeiros da Lavagem passeavam abaixo e nos misturamos às cores. Foi a hora do álcool e da alegria. O Noel que se atrasou pro Natal em suas vestes vermelhas de festa. As fitinhas do Senhor sendo vendidas a preço de banana, como diriam alguns. As contas do Gandhy enroscadas em tantos corpos. E tudo se movimentando tão rápido que não posso dizer que realmente os olhei, ou lhes explicar o que pouco vi. Só a sensação, a sensação de estar em algum lugar, de movimentar, que me abraçava e me ardia.

O largo de Roma foi a próxima parada. E nesse momento a festa já não mais fazia qualquer efeito sobre nós. Então fugimos da multidão e nos escondemos em busca de palavras. Bolas de sorvete, os pés molhados nas águas da boa viagem, a subida ao Monte Serrat pra ver um pôr do sol que não veio, os olhos do canhão e o forte. Ao fim caruru de dona Dag e uma doce cochilada na sala. Era a hora de voltar pro meu lugar. Pegar o mesmo caminho, pé ante pé.


O burburinho de gente me acompanhou até em casa. Tanta gente, tanta gente... Coisa mais linda essa de povo. E agora me veio a certeza que ano que vem estarei lá de novo. Nada melhor do que rever os meus absolutos.


ILUSTRAÇÂO: Fotografia de Rivello.

http://www.flickr.com/photos/rivello/

6 comentários:

Matheus Morais disse...

Adorei o nome do blog... adoro a lavagem do Bonfim, estava lá, estou todo ano. Experiência única e diferente, em todos os momentos.
A maneira como descreveu me deu mais vontade de continuar, a comentar no blog e a ir ao Bonfim!
Lindo e de uma leveza inimaginável! Beijos

aocubo disse...

Não aprecio o Santo nem a lavagem, mto menos essa pseudo junção entre sagrado e profano, entretanto confesso q o texto está ótimo. Me senti no percusso,as subidas, as decidas, senti o povo, o colorido frisado (adorei a foto) embora saiba que provavelmente ñ estaria nunca lá.
Manda um abraço pro seu companheiro de lavagem.


OBS.: amei template novo do blog e o nome, gostei do padrão


um bjo

Anônimo disse...

Já te disse q vc tem a capacidade de me emudecer, me deixar sem palavras? Q sensibilidade, q texto, q tudo! Amo-te ainda mais do q ontem...
Bjos do seu companheiro de lavagem e amigo pra toda vida.

Cristal Rocha disse...

Em primeiro lugar as cores de sua página são pertinentes, seu texto é ótimo e gostaria de poder escrever mais um pouco,mas, fico só com as lembrançs que seu texto me fez recordar.
Beijão!!!!

Mario Poloni disse...

Que beleza... Vc ta de volta!!!
Escrevendo desse jeito que faz a gente ler até o fim, "entrando" no texto e narrando junto...
Muito bom!
E o anterior ("Cansaço"), tem aquela melancolia urbana que eu gosto...
Ah... e o nome ficou ótimo!!!
àrabéns..
bjsssss

Anônimo disse...

Mas que forma mais gostosa de escrever, minina!!!Tipo de coisa que ninguém ensina, que nasce com agente e é isso, cabe ao dono do "dom" de somente aprimorá-lo...
Continue assim, Manu, que vc ainda vai longe...
Com mta admiração e carinho,
Ana Carolina.

ps:e que terra melhor pra falar de festa, cachaça e alegria que a nossa, hein?!rs