Acordei. Era mais um dia. Mais um dia de uma semana que insistia em não correr – e ainda insiste. O café, o computador, textos e leituras diárias... O primeiro convite me chegou às 10 da manhã e me pegou desprevenida e propensa a aceitar. Só que o percurso seria longo, era lá no alto, e em dia de festa do Senhor a impossibilidade de sair dessa cidade aumenta em grandes proporções (e lhes falo isso com a experiência de 10 anos). O segundo me era esperado e quase recusável, pois em nenhum momento pareceu algo que faria com extremo prazer. Envolvia sol intenso, calor degradante e tanta gente que sairia ao fim espremida e sem saber ao certo a quem pertencia o suor que cobria o meu corpo. Sem contar o som que ecoaria em meu ouvido... Melhor do que ficar em casa, pensei ao fim.
Arrumei-me apressada. Na rua as tantas levas de povo já saiam num percurso diferente do que me era cabível. Tinha que entrar em tantas ruelas e tão dentro de um bairro que não reconheço muito bem que emudeci, respirei e segui ao mesmo tempo em que olhava os passos de gente. De velhos a moços, adultos a crianças, homens a mulheres, num cortejo diverso do verdadeiro cortejo que acontecia muitas ruas acima. Alguns me deixaram no caminho e entraram em ruelas estreitas que pareceram estranhas aos olhos. Em determinado momento cheguei ao destino e segui com meu companheiro, o salvador de um dia que começou apontando para o nada.
É diferente o trajeto no dia do Santo. Parece mais longo, mais cansado, dói os dedos dos pés e cansa os joelhos. É tanta gente... Tanta gente que quase te leva a evitar subir a colina que para alguns é sagrada. Mas dizem que quem está na chuva é pra se molhar e comigo não foi diferente: molhei-me literalmente. O primeiro banho foi de pura alfazema, que me remeteu ao meu tão bom interior e à minha tão deliciosa velha avó. Daí em diante foram banhos das mais diversas águas. Sem folha, com folha, de tantas vestidas baianas com suas saias brancas de tule e renda. A verdade é que era um mar de branco. Um mar de puro branco que me fez sentir a própria sujeira em meu preto e branco básico e que pareceu bastante apropriado na hora de vestir. Abaixo, por outro lado, o colorido era gritante. Sim, aquilo realmente era uma festa.
Depois de felicitar o santo fomos comemorar com o profano. Cordeiros da Lavagem passeavam abaixo e nos misturamos às cores. Foi a hora do álcool e da alegria. O Noel que se atrasou pro Natal em suas vestes vermelhas de festa. As fitinhas do Senhor sendo vendidas a preço de banana, como diriam alguns. As contas do Gandhy enroscadas em tantos corpos. E tudo se movimentando tão rápido que não posso dizer que realmente os olhei, ou lhes explicar o que pouco vi. Só a sensação, a sensação de estar em algum lugar, de movimentar, que me abraçava e me ardia.
O largo de Roma foi a próxima parada. E nesse momento a festa já não mais fazia qualquer efeito sobre nós. Então fugimos da multidão e nos escondemos em busca de palavras. Bolas de sorvete, os pés molhados nas águas da boa viagem, a subida ao Monte Serrat pra ver um pôr do sol que não veio, os olhos do canhão e o forte. Ao fim caruru de dona Dag e uma doce cochilada na sala. Era a hora de voltar pro meu lugar. Pegar o mesmo caminho, pé ante pé.
O burburinho de gente me acompanhou até em casa. Tanta gente, tanta gente... Coisa mais linda essa de povo. E agora me veio a certeza que ano que vem estarei lá de novo. Nada melhor do que rever os meus absolutos.
ILUSTRAÇÂO: Fotografia de Rivello.
http://www.flickr.com/photos/rivello/
6 comentários:
Adorei o nome do blog... adoro a lavagem do Bonfim, estava lá, estou todo ano. Experiência única e diferente, em todos os momentos.
A maneira como descreveu me deu mais vontade de continuar, a comentar no blog e a ir ao Bonfim!
Lindo e de uma leveza inimaginável! Beijos
Não aprecio o Santo nem a lavagem, mto menos essa pseudo junção entre sagrado e profano, entretanto confesso q o texto está ótimo. Me senti no percusso,as subidas, as decidas, senti o povo, o colorido frisado (adorei a foto) embora saiba que provavelmente ñ estaria nunca lá.
Manda um abraço pro seu companheiro de lavagem.
OBS.: amei template novo do blog e o nome, gostei do padrão
um bjo
Já te disse q vc tem a capacidade de me emudecer, me deixar sem palavras? Q sensibilidade, q texto, q tudo! Amo-te ainda mais do q ontem...
Bjos do seu companheiro de lavagem e amigo pra toda vida.
Em primeiro lugar as cores de sua página são pertinentes, seu texto é ótimo e gostaria de poder escrever mais um pouco,mas, fico só com as lembrançs que seu texto me fez recordar.
Beijão!!!!
Que beleza... Vc ta de volta!!!
Escrevendo desse jeito que faz a gente ler até o fim, "entrando" no texto e narrando junto...
Muito bom!
E o anterior ("Cansaço"), tem aquela melancolia urbana que eu gosto...
Ah... e o nome ficou ótimo!!!
àrabéns..
bjsssss
Mas que forma mais gostosa de escrever, minina!!!Tipo de coisa que ninguém ensina, que nasce com agente e é isso, cabe ao dono do "dom" de somente aprimorá-lo...
Continue assim, Manu, que vc ainda vai longe...
Com mta admiração e carinho,
Ana Carolina.
ps:e que terra melhor pra falar de festa, cachaça e alegria que a nossa, hein?!rs
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