quinta-feira, janeiro 31, 2008

E deus existe? (Parte II)

À parte do que me cabe de inicio a este novo texto é que, mais do que uma continuação, ele é uma constatação. Para melhor compreendê-lo, àqueles que não leram, corram ao primeiro (http://retalhosinversos.blogspot.com/2007/04/e-deus-existe.html).


Não é propositalmente que desconfio da existência dele. Nunca a fim de irritar alguém ou de me fazer, quiçá ser, diferente. È algo enraizado em mim, diria. Isso porque há muito tal pensamento invade minha mente e se entende e se completa e chega a tal resolução que sempre vem acompanhada de um desespero estranho e uma tristeza tamanha: deus não existe. Não queria acreditar em deus, essa é a verdade. Mas parece haver uma força maior que me impulsiona a lhe dar uma chance como se ele fosse alguém, algum amigo próximo que necessita da minha fé. No entanto, vezes, ele chega a mim como um vilão, uma espécime má, cruel e vil, um grandessíssimo inimigo a quem só devo desprezo. E no fim de todo o pensamento, na briga entre o anjinho e o demônio que existe em todos nós, termino por desacreditá-lo novamente.
O dia em que amei DEUS amanheceu como outro qualquer. Diria mais, foi menos especial do que muitos outros dias normais. Aquela coisa lenta, sem sorte ou azar, sem acontecimentos bons ou maus. Um dia despertado as 8 e adormecido as 20, como um velho que precisa cumprir toda a sua rotina antes de se deitar. E depois de um dia tão monótono, quando se coloca a cabeça ao travesseiro, quando não se sabe se deve rir ou chorar ou até mesmo gritar, quando seu âmago conversa com ele mesmo tecendo resoluções, planos e metas que serão desfeitos na próxima dose de vida ou num sono tardio, o amei. Posso dizer que foi tamanho amor que a mente não conseguiu apagar a fim de se afogar em sonhos estranhos.
O difícil é lhes explicar o meu atual estado de êxtase, amor e devoção a deus. O difícil é lhes mostrar o quão complicado é perder todo o entendimento infantil sobre o que é deus, pois só assim eu poderia amá-lo. Colocar de lado o entendimento social, religioso, desapegar-me do próprio conceito criado por tais influencias e amar a deus sobre todas as coisas – sem no entanto estar seguindo qualquer mandamento. E nenhum anjo veio a mim em sonhos e me mostrou o reino dos céus.
Tudo o que eu consigo lhes dizer, numa tentativa de me explicar, é que antes do corpo querer descansar e a mente enfim aquietar-se um vento forte balançou o pijama, minha avó me olhou um tanto estática em seu retrato velho posicionado em cima do baú, o incenso exalou o frescor do jasmim em uma fragrância mais encorpada e me veio à memória todos os meus bons momentos de um ano que acabou de passar enquanto Aretha retumbava sua voz brilhante em meus ouvidos. E então eu pensei em Deus, não como algo físico, não como alguém, um dono, um poderoso, um ditador, sem antigo nem novo testamento, sem filho, virgem, santos e afins: apenas Deus em essência. E em sua essência eu o visualizei em todas as pequenas coisas que passaram em minha cabeça enquanto tentava simplesmente dormir. Por isso o amei, por senti-lo em mim descartando o que antes era acaso e em nada me preenchia.

Talvez tenha sido a voz divina de Aretha. Talvez tenha sido Einstein. Ou talvez seja uma resposta definitiva a essa minha mania de discutir a inexistência de Deus.

Todo o resto ainda me parece estória para adulto dormir.


“Deus é subtil, mas não malicioso”
Albert Einstein.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Vida Simples.

Simplificando.


Não é a primeira vez que tenho a pretensão de escrever sobre a simplicidade da vida. E é provável que não seja a ultima. É um tema que me intriga. Acho belíssimo como algumas pessoas conseguem viver de forma intensa dispondo apenas de comida, bebida e ar. Nada mais do que a natureza. Nada mais do que dispõe a natureza. E são como pessoas quaisquer, talvez mais felizes. Talvez muito mais felizes. Vivem a velocidade dos seus dias, respirando ar puro, observando a natureza e com ela compondo, escrevendo, criando... Não é necessário se tornar hippie para se ter uma vida mais simples, todos nós sabemos. Nem é necessário ser vegetariano ou fumar um troço ilegal - isso não torna a vida de ninguém simples, acreditem. Nem é preciso fugir da tecnologia, voltar às cartas escritas à mão (apesar de considerar magnific), andar a pé ou a cavalo. Basta apenas um tempo. Um tempo pra você mesmo. Um tempo para música, para pensar, para respirar mais fundo, entrar em contato com o que há de melhor em você. Deixar, por um minuto, o ritmo frenético da vida de lado – sem correria, sem estresse, sem fracasso. E nem é necessário um dia no campo, ou um dia na praia, ou acampar, ou surfar, ou cantar, ou tocar. Basta apenas por um minuto relaxar e deixar-se ser quem é sem a pressão do mundo. Renove o seu espírito e deixe-se contagiar por um minuto da simplicidade. E se nada disso funcionar, e você se veja ao fim numa simples vida, vire hippie. Dizem por ai que não falha.



ILUSTRAÇÃO: Leandro Estevam - > link=http://www.flickr.com/photos/piomaciel/


segunda-feira, janeiro 21, 2008

Na carne.

Momento áspero.

Este não será um roteiro de fim de semana. Sequer dicas de bons lugares a ir, filmes ou espetáculos para assistir. É só a constatação de que nem sempre a lei de Murph impera, mas quando o momento é áspero todas as outras coisas tendem a ter o gosto amargo.


O fim de semana começou na noite de Quinta-feira, quando as coisas apontam para o não ir bem. E se este é o roteiro de vida, nem sempre é possível ou desejavel lutar contra. Então a Sexta acorda um pouco mais tarde do que o costume e um pouco mais tensa também. Minha sorte é que tenho bons amigos e quando a solidão, a tristeza ou a raiva me abatem (as vezes todas essas coisas juntas) eles vêm em meu socorro - cada um com o seu programa, claro.
O primeiro foi um cinema fim de tarde, que fiz questão de logo aceitar. E quando não se tem muitas opções e o sim já está dito não importa muito qual o filme que será visto. De logo posso dizer que foi terrível. Melhor, intragavel. Um daqueles heróicos norte-americanos que tornam qualquer ser lendário... Resultou em gelo nas veias, asco e visão parcial em sua corrida uma hora e pouca.
O segundo foi interessante: dormir fora de casa, longe de telefones, computadores e afins. Do outro lado da minha cidade, é verdade, mas bem vindo por ser novo. O engarrafamento resultante de um Festival que ocorre no nosso verão fez aumentar o calor e a fome... Então, nada melhor do que uma fugida de volta ao Shopping, porém outro, um lanche noturno e um bater de pernas cheio de conversas que aliviaram o fôlego e se transforam em cantoria numa volta menos trôpega, ainda que sufocante.
O Sábado se iniciou leve. De uma leveza que perdurou durante o dia. Risos, mexe-mexe, sombra ou sol e muita água fresca - que resultaram numa pigmentação mais dourada. Mas a noite não favoreceu. O que era pra ser navalha, por atraso ou acaso ou o que queiram chamar, tornou-se a farsa, que apesar de áspera não me pareceu nem um pouco falsa. Talvez tenha sido a real imagem do absurdo - e mais nada.
Chega-se ao quinto programa, e possivelmente a uma teoria completada e confirmada. Não tão difícil, visto ser Domingo que quase sempre é acompanhado de um ócio acre. Uma manhã conduzida por "Em Nome de Deus" que nem pelo nome parece ser um programa, mas apontou para mais uma aspereza da vida e, sendo assim, deve ser apresentado aqui. À noite o círculo não vingou e então o convite voltou para o navalha, na carne para ser mais precisa. E dessa vez o acaso nos encontrava. E me fez chegar à conclusão que Neusa Sueli é a verdadeira imagem de prostituta e todo o resto parece Camila Pitanga demais. Foi mais um momento áspero, é verdade, mas que provou que nem todo enrugado dói.


Sem grandes cicatrizes,
roteiros,
ou pretextos.


Recomendo: Navalha na Carne. Texto de Plínio Marcos, Direção Juliana Ferrari e André Rosa. Na EBA (Escola de Belas Artes), de Quinta a Domingo (última semana), às 20 horas, pelo valor símbolico de R$ 1,00. A venda dos ingressos inicia às 19 e, como hoje, é possível que em 15 minutos tudo tenha sido vendido.



quinta-feira, janeiro 17, 2008

Fé, Cortejo e Alegria.

Um dia de Santo.




São dez os anos que moro nesta cidade. Tempo idêntico ao que resido nesta que chamam de baixa. Metade de uma vida, visto ter 21 prestes aos 2. Amo-a de um amor profundo, mas jamais me envergonhei em nunca haver participado de um cortejo ao Senhor do Bonfim.


Acordei. Era mais um dia. Mais um dia de uma semana que insistia em não correr – e ainda insiste. O café, o computador, textos e leituras diárias... O primeiro convite me chegou às 10 da manhã e me pegou desprevenida e propensa a aceitar. Só que o percurso seria longo, era lá no alto, e em dia de festa do Senhor a impossibilidade de sair dessa cidade aumenta em grandes proporções (e lhes falo isso com a experiência de 10 anos). O segundo me era esperado e quase recusável, pois em nenhum momento pareceu algo que faria com extremo prazer. Envolvia sol intenso, calor degradante e tanta gente que sairia ao fim espremida e sem saber ao certo a quem pertencia o suor que cobria o meu corpo. Sem contar o som que ecoaria em meu ouvido... Melhor do que ficar em casa, pensei ao fim.

Arrumei-me apressada. Na rua as tantas levas de povo já saiam num percurso diferente do que me era cabível. Tinha que entrar em tantas ruelas e tão dentro de um bairro que não reconheço muito bem que emudeci, respirei e segui ao mesmo tempo em que olhava os passos de gente. De velhos a moços, adultos a crianças, homens a mulheres, num cortejo diverso do verdadeiro cortejo que acontecia muitas ruas acima. Alguns me deixaram no caminho e entraram em ruelas estreitas que pareceram estranhas aos olhos. Em determinado momento cheguei ao destino e segui com meu companheiro, o salvador de um dia que começou apontando para o nada.

É diferente o trajeto no dia do Santo. Parece mais longo, mais cansado, dói os dedos dos pés e cansa os joelhos. É tanta gente... Tanta gente que quase te leva a evitar subir a colina que para alguns é sagrada. Mas dizem que quem está na chuva é pra se molhar e comigo não foi diferente: molhei-me literalmente. O primeiro banho foi de pura alfazema, que me remeteu ao meu tão bom interior e à minha tão deliciosa velha avó. Daí em diante foram banhos das mais diversas águas. Sem folha, com folha, de tantas vestidas baianas com suas saias brancas de tule e renda. A verdade é que era um mar de branco. Um mar de puro branco que me fez sentir a própria sujeira em meu preto e branco básico e que pareceu bastante apropriado na hora de vestir. Abaixo, por outro lado, o colorido era gritante. Sim, aquilo realmente era uma festa.

Depois de felicitar o santo fomos comemorar com o profano. Cordeiros da Lavagem passeavam abaixo e nos misturamos às cores. Foi a hora do álcool e da alegria. O Noel que se atrasou pro Natal em suas vestes vermelhas de festa. As fitinhas do Senhor sendo vendidas a preço de banana, como diriam alguns. As contas do Gandhy enroscadas em tantos corpos. E tudo se movimentando tão rápido que não posso dizer que realmente os olhei, ou lhes explicar o que pouco vi. Só a sensação, a sensação de estar em algum lugar, de movimentar, que me abraçava e me ardia.

O largo de Roma foi a próxima parada. E nesse momento a festa já não mais fazia qualquer efeito sobre nós. Então fugimos da multidão e nos escondemos em busca de palavras. Bolas de sorvete, os pés molhados nas águas da boa viagem, a subida ao Monte Serrat pra ver um pôr do sol que não veio, os olhos do canhão e o forte. Ao fim caruru de dona Dag e uma doce cochilada na sala. Era a hora de voltar pro meu lugar. Pegar o mesmo caminho, pé ante pé.


O burburinho de gente me acompanhou até em casa. Tanta gente, tanta gente... Coisa mais linda essa de povo. E agora me veio a certeza que ano que vem estarei lá de novo. Nada melhor do que rever os meus absolutos.


ILUSTRAÇÂO: Fotografia de Rivello.

http://www.flickr.com/photos/rivello/