segunda-feira, setembro 08, 2008

No jornal.

Estava na capa das páginas policiais: Pelourinho e os meninos do crack. A notícia denunciava pequenos delitos cometidos por crianças e adolescentes, no centro histórico, contra os turistas a fim de sustentar o vicio.

Não leio jornais. Na verdade, não me interesso por jornais. Até os acho um tanto quanto mentirosos, e esta não é uma crítica aos profissionais - garanto! Mas acreditei quando li sobre os meninos do pelourinho e sua rua apropriada para o uso do crack, onde compram e se lambuzam sobre as vistas de policiais fardados. Acreditei ainda mais quando a mesma reportagem dizia que um desses policiais, questionadoou como resposta: "É assim todo dia". O raciocínio foi rápido. Afinal o trabalho dele é a segurança pública, trazer segurança à sociedade. E todos nós sabemos que há muito tempo tais meninos, magricelas e sem alguns dentes, não fazem parte desta. A segurança pública não atinge aos excluídos sociais. Isto é um fato. Daí não teria sentido uma atitude de qualquer dos nossos policiais, no sentido de impedir tal uso. Não poderiam. O verdadeiro trabalho da nobre policia, principalmente aquela que passeia pelas ruas do pelourinho, é assegurar que os "gringos" não sejam vitimados. Bem, nem isso conseguem fazer direito.

Eu realmente não leio jornais. Li esse em uma viagem de carro que durariam quatro horas, de forma que seria tempo demais para se admitir a inércia. Li porque a noticia me chamou atenção, já que há poucos dias andava pelas ruelas históricas criticando a monstruosidade que é a prefeitura (tenho ódio toda vez que a vejo, urgh!) e sendo surrupiada por um menininho tão simpático, mas tão simpático, que levou meu sorvete sem qualquer consentimento. Tudo bem, o sorriso dele valia. Mas se a minha intenção tinha sido ver as exposições do "A Gosto da€ Fotografia" no Solar do Ferrão, acabou não sendo somente isso. Vi o que queria ver, é verdade, mas vi ainda mais, algo que talvez o venezuelano e o Sansei/Ninsei/NãoSei também gostariam de presenciar e quem sabe até fotografar. Era o céu mais lindo do mundo, sim era!, em meio a uma paisagem tão colorida e triste. E era lindo justamente por representar isso. A tristeza em suas nuvens densas de chuva, a paz do azul (é uma tranqüilidade que o vento traz naquele lugar) e a esperança pintada de laranja que misturava tudo e transformava em alegria lá no alto e refletia no mundo de baixo com todos os movimentos artísticos e culturais e toda a vida que pulsa e morre naquele centro.

Nessa Sexta estava lendo o jornal. Trazia a noticia dos meninos e sua rua própria para o uso do crack. Talvez nunca tenha visto tal rua. Não tenho vergonha em admitir que me prendo àquelas principais, um pouco por ter pouca curiosidade, um pouco por ter um pouco de insegurança. Mas ao ler pensei que talvez, apenas talvez, os meninos do crack ao fumarem mais um pouquinho, ao se segurarem um pouco mais na própria inexistência, ao surrupiarem mais alguns objetos que seriam trocados, tão logo pudessem, por uma única pedra, tenham olhado, às cinco horas da tarde daquela quarta-feira, para aquele mesmo céu que banhava o pelô e talvez sentido, só um pouco, a esperança que o pintava.



Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos. Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam. Estamos saindo da treva para a luz. Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah. A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah. Ergue os olhos.

O Grande Ditador, discurso final, Charles Chaplin.